Mais velhos usam cada vez
mais a internet, mas ainda são deixados de lado por gigantes da tecnologia;
evolução de recursos pode alavancar criação de novo filão de mercado para
startups
Os idosos brasileiros estão
cada vez mais conectados: nada menos que 5,2 milhões de pessoas acima dos 60
anos têm acesso à internet no País – 21% da população que está na terceira
idade. É o que revela uma pesquisa recente do Instituto Locomotiva, liderado
por Renato Meirelles (ex-Data Popular). No entanto, mais do que o vovô no
Facebook ou a vovó que procura receitas na internet, esse é um público que está
gerando demanda por novas tecnologias e têm dinheiro no bolso para gastar: o
estudo do Locomotiva mostra que a renda anual dos idosos conectados do Brasil
chega a R$ 330 bilhões.
“O mercado de tecnologia
tem dificuldade de entender as pessoas mais velhas”, avalia Renato Meirelles,
do Locomotiva. “Os jovens têm o desafio de explicar como usar a tecnologia de
uma forma que aqueles que não são nativos digitais entendam.” Ao contrário do
público infantil e juvenil, que têm um amplo leque de aplicativos e dispositivos
específicos, as empresas prestam pouca atenção nos idosos: o Estado procurou
as principais companhias de tecnologia em busca de produtos e serviços para a
terceira idade, mas a maioria não respondeu aos pedidos de entrevista ou
informou não oferecer nada para esse público.
Algumas delas mostraram
soluções básicas de acessibilidade, como aumentar o tamanho das letras na tela
do celular ou do computador – função disponível nos sistemas Windows, Android e
iOS, por exemplo. “As letras e teclas grandes, com sistemas simplificados, não
adiantam quase nada, mas são um começo”, avalia Martin Henkel, pesquisador da
Senior Lab, consultoria especializada na terceira idade.
Oportunidade. Com o vácuo deixado
pelas grandes empresas, há espaço para startups. Alguns dos poucos dispositivos
para idosos em desenvolvimento no País são feitos por elas. Pioneiro, o “botão
de socorro” Cuidador Digital é a única opção à venda. Usado pelo idoso como um
colar, ele liga para um parente ou amigo quando é pressionado e transmite o som
ambiente – mas não permite uma conversa entre os interlocutores, o que mostra
uma deficiência no projeto.
“Meu pai
era idoso e tinha problemas de saúde e eu pensei em criar um botão para ajudar
idosos a pedir ajuda”, diz João Victor Mendes, sócio-fundador da Cuidador
Digital, cujo produto é vendido por R$ 590.
Uma opção
mais sofisticada, o relógio inteligente LinCare, elaborado pela startup mineira
de mesmo nome, deve chegar às lojas em outubro. O dispositivo deixa o
monitoramento na mão dos próprios usuários – mas é capaz de enviar avisos
quando a pessoa sofre um desmaio. “Os idosos odeiam ser vigiados pelos
parentes. Eles querem ser donos da própria vida”, diz Ana da Mata, cofundadora
da startup.
O LinCare
monitora as atividades cotidianas de seus usuários: com ajuda de inteligência
artificial identifica hábitos, como a quantidade de idas ao banheiro, e lembra
a pessoa sobre o horário dos remédios. “Se ele tem o costume de ir duas vezes
ao banheiro e a frequência aumenta, nós informamos os parentes”, diz Ana. Se o
idoso cair, o aparelho emite um alerta aos familiares por mensagem de texto e
um atendente do call center da empresa liga para os responsáveis pelo idoso.
“Existe
um mercado gigantesco, mas é preciso entender o que os idosos querem”, diz Ana
da Mata, da LinCare. Assim como o Cuidador Digital, o dispositivo depende de um
smartphone para funcionar – no entanto, só 44% dos idosos conectados têm esse
tipo de dispositivo, segundo o Locomotiva.
Outra
startup brasileira que aposta nesse filão é a EasyThings: na última semana, a
empresa lançou no site de financiamento coletivo Kickante a campanha para
financiar a fabricação de 5 mil unidades do EasyGlic, bracelete conectado que
poderá ajudar diabéticos a diagnosticar hipoglicemia – falta de açúcar no
sangue – pelo menos três minutos antes de um desmaio ou convulsão. O
dispositivo monitora a temperatura corporal e o nível de suor para fazer a
previsão.
“Os
idosos e as crianças têm mais dificuldade em identificar os sintomas e
comunicar que estão se sentindo mal”, diz Egmar Rocha, sócio-fundador da
empresa, que está incubada na Universidade de Brasília. “Para o idoso, é
difícil diferenciar a fome ou tontura causada pelos remédios com o estado de
hipoglicemia. Queremos ajudar.”
Interação. A principal dificuldade de
quem se propõe a criar tecnologias para este público é pensar em como será a
interação entre a pessoa e o aplicativo ou dispositivo. Na aceleradora Berrini
Ventures, que apoia apenas startups que criam produtos para a área de saúde, o
maior desafio é ensinar aos empreendedores como melhorar a eficiência de uso de
suas criações.
“Se eu
faço um aplicativo cuja função é soar um alarme para avisar da hora do remédio,
mas o idoso esquece o smartphone no mudo, não cumpri minha função”, diz o
diretor da aceleradora, Fernando Cembranelli. “É preciso fazer testes com o
público-alvo ativamente.” Criada por três médicos e apoiada por gigantes, como
a farmacêutica Pfizer e a administradora de planos de saúde Qualicorp, a
empresa já apoiou oito startups e se prepara para um novo ciclo de aceleração.
Para
transformar uma residência em uma casa conectada – com sensores e recursos
automatizados – é preciso avaliar bem a facilidade de uso do sistema antes de
seguir com um projeto. “Às vezes, até ligar uma televisão pode ser difícil para
um idoso, quanto mais controlar um sistema”, diz José Roberto Muratori,
presidente da Associação Brasileira de Automação Residencial (Aureside).
Segundo o
executivo, tecnologias “pervasivas”, que usam sensores de presença, por
exemplo, monitoram idosos sem invadir sua privacidade – e sem exigir que eles
interajam diretamente com um aplicativo. É possível, por exemplo, receber um
alerta se a pessoa deixar a residência e demorar para voltar. “Na automação
residencial, o céu é o limite”, diz Muratori. “Mas com investimento de cerca de
R$ 2,5 mil, é possível montar um sistema com dois sensores de presença e um
sensor de abertura de portas em locais estratégicos da casa, como a porta de
saída e o banheiro.”
Evolução. Há avanços que podem
auxiliar a inclusão digital dos idosos: um deles é a popularização de
dispositivos com tela sensível ao toque. Depois dos smartphones e tablets, a
tecnologia começa a ganhar computadores de mesa e notebooks. “Usar o mouse é
uma grande dificuldade na terceira idade. Não é natural usar um dispositivo
para mirar e apontar algo na tela”, avalia Gustavo Lang, diretor de Windows no
Brasil. “Quando as pessoas tocam na tela, a experiência se torna mais humana.”
Outro
aspecto que pode auxiliar as pessoas mais velhas são os assistentes pessoais que
possuem tecnologia de reconhecimento de voz. Eles já estão presentes no Brasil
nos smartphones com Android (Google Now) e iOS (Siri), bem como nos
computadores com Windows 10 (Cortana). Com uso de inteligência artificial,
esses programas “escutam” o usuário e fazem pesquisas, criam lembretes ou leem
e-mails do usuário.
Alguns
dispositivos que se propõem a ser o “coração” da casa conectada no futuro vão
além. É o caso do Amazon Echo e do Google Home, caixas de som inteligentes
fabricadas pela Amazon e pelo Google, respectivamente. A primeira, que é
vendida apenas nos EUA por US$ 180, utiliza a assistente pessoal Alexa. A
segunda não tem previsão de lançamento.
Elas
prometem tornar tarefas – como acender lâmpadas e, até mesmo, colocar a máquina
de lavar para cuidar da roupa suja – tão fáceis quanto conversar com os netos
no almoço de domingo, o que deve transformar a interação com a tecnologia.
Por Bruno
Capelas e Matheus Mans - O Estado de S.Paulo